Conheça a história de Maria

Na Semana do Enfrentamento ao Tráfico Humano, é essencial ampliar a compreensão sobre esse grave problema que afeta milhões de pessoas em todo o mundo.
Neste texto, o Município de Guaíra, via Secretaria de Assistência Social, demostrará histórias corajosas de vítimas do tráfico humano, para ressaltar a importância de combater o tráfico humano e proteger os mais vulneráveis.
Conheça a história de Maria:
Na internet, um anúncio de trabalho chamou a atenção de Maria. A promessa de rendimentos altos fez com que decidisse arrumar as malas em busca de uma nova vida em Portugal. Juntou as economias, comprou a passagem e partiu para aquela que considerava uma oportunidade única.
A futura patroa deu todo o apoio necessário para a mudança, mas não demorou até mostrar suas verdadeiras intenções. Desde muito jovem, Maria se viu na prostituição um meio de subsistência. Desempregada e vinda de uma família simples do Espírito Santo, era dessa forma que conseguia se manter.
A possibilidade de exercer a atividade na Europa parecia, para ela, dar finalmente adeus às dificuldades financeiras. No entanto, a situação, como a de outras brasileiras, virou um pesadelo.
Passou a atuar em um apartamento pequeno e insalubre na região de Amadora, na Grande Lisboa. Ao chegar, encontrou o local sujo, com móveis velhos e um cheiro forte de esgoto. Quando a porta foi trancada pela primeira vez, já não era mais uma mulher livre. Tinha se tornado prisioneira e vítima do tráfico de pessoas.
A rotina exaustiva chegava a ter até 20 atendimentos em um só dia. “Começou a mandar qualquer tipo e disse: ‘Para ganhar dinheiro, tem que trabalhar 24 horas. Não tem horário para dormir. Quando eu bater ou ligar, tem que levantar e fazer’”, conta. As raras saídas de casa eram todas vigiadas. A marmita que precisava dividir com uma amiga no almoço volta e meia estragava porque, sem geladeira, era guardada em uma gaveta.
Com condições precárias de higiene, Maria vivia doente. As infecções eram frequentes, mas isso não queria dizer que teria algum descanso. “Falei que não estava mais aguentando porque estava com muita dor ali embaixo. E ela respondeu: ‘Seu médico é isso aqui. Começa a beber. O que fará você aguentar é o vinho. Não pode ir ao médico de verdade porque ele perguntará por que você está assim. E eu queimando de febre’”, relembra.
A opressão só chegou ao fim quando a quadrilha foi descoberta por uma operação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), órgão de segurança ligado ao Ministério da Administração Interna, que, entre outras funções, combate as redes de tráfico de seres humanos em Portugal. Os envolvidos acabaram presos, e Maria foi encaminhada para um abrigo temporário.
O trauma, porém, permaneceu. As noites continuaram insones. Ela ouvia o telefone – mesmo desligado – tocar sem parar, e o medo das ameaças mantinha a mente em alerta constante. Somente o reencontro com os parentes fez com que se sentisse a salvo. “Eu fiquei tão feia, tão feia, que quando cheguei ao Brasil minha mãe nem me reconheceu. Parece que, em alguns meses, eu envelheci trinta anos”, afirma. “Não sei o que seria se a polícia não tivesse batido lá. Já chorei tanto, já fiquei tão mal que agora falar já me dá até um alívio”, completa.
Cláudio Ribeiro, inspetor do SEF que participou da liberação de Maria no cativeiro, reforça que o fato de mulheres chegarem ao país para a prostituição não justifica o tratamento desumano a que muitas são submetidas. “Uma coisa é virem para prestar serviços sexuais. Outra coisa é quando ficam com os passaportes, não deixam sair de casa. Ninguém obviamente combina de vir em uma situação dessas”, observa.
O inspetor explica que também é comum que as vítimas sejam enganadas e achem que irão trabalhar em outros setores, como o de limpeza, mas acabam capturadas pelos bandidos. Ilegais e com os documentos retidos, há o receio de buscar as autoridades. Segundo Ribeiro, a internet é o meio mais usado para contato e as condições combinadas no início sobre moradia, alimentação e ganhos atraentes são, no geral, bem distantes da realidade.